Não é novidade a profunda
desigualdade na questão agrária brasileira. Camponeses, trabalhadores rurais e
índios são historicamente massacrados pelo latifúndio e seus tentáculos de
dominação rural, compostos basicamente pelo Estado, pelas as milícias privadas
e a escravidão assalariada fundada na chantagem econômica. Pelas grandes
cidades, entre os prédios, os carros, a rotina exaustiva da vida urbana e as
fascinantes propagandas que nos entopem a cabeça, os veículos de comunicação pouco
pautam a sangrenta realidade escravagista rural e, quando pautam algo,
geralmente enaltecem a economia brasileira com os avanços da produção e
criminalizam os movimentos sociais que lutam pela vida e a dignidade do povo
pobre submetido ao latifúndio.
Dezenas de milhares de índios, camponeses e trabalhadores rurais já foram sumariamente executados na história do Brasil pela manutenção da ordem estabelecida que privilegia uma classe estritamente pequena, a classe rica, que detém propriedades de terra imensas, os bens de produção e as baratas mãos-de-obra daqueles que vivem controlados, vigiados e assolados na miséria.
As convulsões sociais envolvendo
o povo Guarani-Kaiowá (tribo indígena do interior do Mato Grosso do Sul) são
antigas, começando com a guerra do Paraguai (segunda metade do século XVII), quando
a terra dos índios viu-se invadida por fazendeiros paulistas e paranaenses, e a
vegetação local destruída para a criação de grandes pastos de gado. Desde então
os fazendeiros mantém-se no local, numa direção contrária à resistência heróica
dos povos originários. Os institutos do Estado que tratam de assuntos indígenas
nada fizeram e até hoje nada fazem efetivamente para a justa retomada das
terras aos índios. O que acontece é justamente o contrário: muitas das atitudes
tomadas por estes institutos do Estado tiveram uma perspectiva favorável aos
fazendeiros, como o SPI (Serviço de Proteção aos Índios) entre 1915 e 1928,
quando, segundo um artigo do Diário da Liberdade, "impôs um ordenamento
militar, educação escolar, assistência sanitária e favoreceu as atividades das
missões evangélicas que se instalavam na região", constatando ainda
que, segundo os funcionários do SPI, "era preciso concentrar os
indígenas para possibilitar a ocupação de seus territórios. Várias famílias
extensas estabeleceram moradias nessas reservas do SPI, mas muitas outras
continuaram vivendo nas matas da região." [1].
Em reação a estas medidas do
Estado brasileiro, os povos originários se organizaram e criaram o grupo de
resistência Aty Guasu, do qual várias lideranças indígenas fazem
parte e articulam lutas pela erradicação da chacina instituída nos interiores
do país e pela redistribuição de terras aos índios. Pistoleiros foram
contratados pelos latifundiários para efetivarem, com força bruta, os despejos
das ocupações indígenas das terras. O Estado, por outro lado, articulado pelo
poder judiciário que decretava e pela Polícia Militar que executava o
despejo, contribui com o assassinato de nossos índios e com a manutenção das
regalias dos grandes fazendeiros.
Em alguns poucos jornais, nos
deparamos com notícias superficiais sobre a perseguição que está acontecendo
nas terras do Mato Grosso do Sul. São assassinatos, seqüestros, torturas e
perseguições acontecendo incessantemente. O poder dos fazendeiros não restringe
seus alvos e ataca crianças, idosos e mulheres. O Estado brasileiro permanece,
mesmo com um dito governo de “esquerda”, apático sobre esse assunto. Fecha os
olhos e não toma nenhuma atitude que imediatamente precisa ser tomada. O título
de uma matéria do Jornal Brasil de Fato evidencia o descaso do governo Dilma/PT
ao sangue indígena derramado no interior do MS: "Quantos cadáveres
Guarani Kaiowá a presidenta precisa?" [2].
São diversas notícias desses
veículos que não estão atrelados à grande mídia capitalista que atentam os
leitores ao massacre Kaiwoá, como esta, que relatou o assassinato do cacique
Nísio Gomes, de 59 anos, no dia 18 de novembro de 2011:
Chapéu que o cacique Nisio Gomes usava quando foi assassinado. |
"No início da manhã desta
sexta-feira (18), por volta das 6h30, a comunidade Kaiowá Guarani do
acampamento Tekoha Guaiviry, município de Amambaí, Mato Grosso do Sul, sofreu
ataque de pistoleiros, cerca de 40, fortemente armados. [...] 'Estavam todos
de máscaras, com jaquetas escuras. Chegaram ao acampamento e pediram para todos
irem para o chão. Portavam armas calibre 12', disse um indígena da
comunidade que presenciou o ataque e terá sua identidade preservada por motivos
de segurança." [3]
O que podemos tirar disso, é que
nossa sociedade é extremamente desigual e que temos vestígios de todas as
atrocidades sociais do Brasil nos atormentando até hoje. A questão da reforma
agrária, a questão indígena, a questão da repressão militar institucionalizada no
Brasil desde a ditadura, a questão dos arquivos da ditadura que até hoje não
foram abertos ao povo brasileiro e nenhum torturador militar punido, os
direitos humanos de modo geral no Brasil - ainda atrasado em virtude da força
dos setores conservadores (a Igreja e a moral cristã, os militares e a
burguesia) que compõe o pensamento massificado do povo -, entre outras diversas
questões, nos fazem reparar nossa verdadeira situação social e nos chegam como
tarefas que devemos resolver urgentemente.
Só nossa luta diária, determinada
e radicalizada pode cessar o avanço desses pontos que nos sugam a vida, assim
como foi a luta diária que cessou diversos outros pontos já vencidos pelo povo
na história do Brasil. A necessidade eminente é de unidade no campo e na cidade
para a resistência e criação do poder popular, único viés que nos representará,
justamente por ser construído por nós mesmos.
Não retroceder na luta contra o
capital, o latifúndio e a propriedade privada! Não retroceder na luta pela
reforma agrária, pelo poder popular e pelo socialismo, pela anarquia!
Notas:
[1] A reação Guarani
Kaiowá e o contra-ataque dos poderosos, Diário da Liberdade.
<http://www.diarioliberdade.org/index.php?option=com_content&view=article&id=22800:a-reacao-guarani-kaiowa-e-o-contra-ataque-dos-poderosos&catid=63:repressom-e-direitos-humanos&Itemid=78>
Acesso em: 03/01/2012.
[2] Quantos cadáveres
Guarani Kaiowá a presidenta precisa?, Brasil de Fato.
<http://www.brasildefato.com.br/content/quantos-cad%C3%A1veres-guarani-kaiow%C3%A1-presidenta-precisa>
Acesso em: 03/01/2012.
[3] Comunidade Kaiowá
Guarani sofre massacre, Brasil de Fato.
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