Retirado de: http://coletivoanarquistalutadeclasse.wordpress.com/2014/05/12/uruguai-comunicado-publico-da-coluna-cerro-teja-a-respeito-do-ultimo-1o-de-maio-em-montevideu/
Difundimos a
tradução do comunicado público da Coluna Cerro-Teja a respeito do
último 1º de Maio em Montevidéu, ocasião que a Coluna queimou um boneco
de policial em protesto contra a repressão nos bairros e o projeto de
lei de redução da maioridade penal. Em função da ação, companheiros estão sendo intimados a depor judicialmente.
Toda solidariedade a Coluna Cerro-Teja.
Contra a repressão policial nos bairros e a redução da maioridade penal, aqui, no Uruguai e em qualquer canto do mundo!
Não ta morto quem peleia!
Federação Anarquista Gaúcha – FAG
Montevideo, 3 de maio de 2014.
À Opinião Pública:
Por ocasião da queima de bonecos no 1º de
Maio nossa Coluna tem sido mencionada e atacada em meios de comunicação
e em declarações de representantes do governo. Nos vemos na obrigação
de responder e esclarecer algumas questões.
A Coluna Cerro Teja marcha de forma interrupta em direção ao ato do 1° Maio convocado pela central dos trabalhadores há 31 anos.
Foi durante o ano de 1983 que
trabalhadores nossos queridos bairros Cerro e La Teja, tomaram as ruas
ainda na ditadura, exigindo liberdade para os presos políticos,
denunciando o desaparecimento de lutadores sociais, o desaparecimento de
crianças pela ditadura militar e repudiavam o regime então existente.
Desde então nossa Coluna tem se
manifestado em reiteradas ocasiões sobre problemas que tocam a classe
trabalhadora e nosso povo no marco da comemoração do 1° de Maio. Durante
todo esse tempo estiveram participando da mesma um conjunto de
sindicatos e organizações sociais. Nomearemos por hora algumas daquelas
que nos traz a nossa memória com maior facilidade, sabemos que
provavelmente algumas ficam no caminho…
Operários da COLAGEL, FOICA (Federação
dos Operários da Indústria Frigorífica), ADEMU (Sindicato de Docentes),
ADES (Sindicato de Profesores), FANCAP (Sindicato de ANCAP –
Petroleiros), STIQ (sindicato dos Quimicos), UNTMRA(sindicato
Metalúrgico), SUATT (Sindicato dos Taxistas), UTAA(Sindicato dos
trabalhadores do corte de cana de açúcar de Bella Unión), SUNMA
(Trabalhadores da Pesca), FFOSE (sindicato dos trabalhadores da OSE –
Obras Sanitárias do Estado), UNOTT (Trabalhadores do Transporte), SAG
(Sindicato dos Operários Gráficos), Mães e Familiares de Presos e
Desaparecidos, Obreros de Niboplast(fábrica recuperada pelos
trabajadores –ramo plástico), Plenaria Memoria y Justicia, Coordinadora
de Estudiantes, CEIPA (Gremio dos estudantes do IPA), Gremio do liceo
11, Gremio do liceo 61, Gremio do liceo Bauzá, AFUTU (Sindicato dos
Trabalhadores da UTU – Universidade Técnica do Uruguai), PROMOPEZ
(indúsdria pesqueira), FUCVAM (Federação Uruguaia de Cooperativas de
Moradia por Ajuda Mútua), ADEOM (Associação de Empregados e Operários
Municipais), COVITEA (Cooperativa de moradia de la Teja), _COVIDE
(Cooperativa de moradia do CERRO, UN LUGAR EN EL MUNDO (Cooperativa de
moradia do Cerro), COVICENOVA(Cooperativa de moradia do Cerro),
Movimiento de Moradores en contra o Chumbo e pela Vida, EL PUENTE FM
(Radio Comunitaria de LA Teja), DE LA VILLA FM (Radio Comunitaria del
Cerro), EN CONSTRUCCIÓN (Radio Comunitaria de Santa Catalina), LA
KLASISTA (Radio Comunitaria de la Aguada), Bazar de trocas de Santa
Catalina, Bazar de Trocas “Casa de la Amistad”, Bazar de Trocas “Santa
Romero”, Refeitório Infantil do Cerro, Ateneo del Cerro, Ateneo Carlos
Molina (La Teja), Ateneo Germinal (Villa Colón e Lezica), Ateneo Pocho
Ríos(Santa Catalina), Movimiento de Moradores contra o Porto Militar do
Cerro, Comissão em defensa da Agua e da Vida, Movimiento de Moradores
contra impunidade, Comissão nacional contra a Impunidade, Comissão de
defesa da educação pública, comissão de defesa de ANCAP.
Nossa marcha tem se mantido ano após ano
encabeçada por distintos sindicatos em conflito, pela denúncia de
distintas problemáticas sociais que afligem nossos bairros e o conjunto
de nosso povo. Também, ano após ano várias quadras de moradores destes
bairros operários, que conhecem o sacrifício e a luta tem marcado
presença.
Aqui também nomearemos rapidamente algumas das pautas encabeçadas pela Coluna nestes 31 anos.
Apoio a sindicatos em conflito,
pronunciamento e participação em Todos os plebiscitos populares,
participação ativa e sustentada em todos os temas relacionados com a
violação dos Direitos Humanos, a liberdade de expressão, rechaço à
invasão norte-americana do Irak, entre outras.
Neste ano, como já mencionamos acima, a
nossa Coluna esteve pautada por um tema demasiadamente sensível e
preocupante para nossos bairros. Estamos nos referindo a violência e
abuso policial que se vivencia de forma cotidiana nos bairros
denominados de periferia. As qualificadas, com teor de discriminação
social, zonas “vermelhas”.
Não é uma problemática nova, mas nestes últimos anos tem aumentado e estes casos tem sido de público conhecimento. Sem dúvida que o assassinado do jovem Sergio em Santa Catalina é uma exemplo, mas queremos dizer que este repugnante acontecimento não é, como se busca transparecer um caso isolado, afinal de contas há um responsável direto que o executou, mas tudo o que envolveu o operativo em seu conjunto, o espancamento aos familiares, a moradores em pleno Posto de Saúde do Cerro, toda a manipulação de provas no local do assassinato, os episódios anteriores de abuso contra jovens do bairro, com ameaças, agressões, detenções, perseguições não foram levadas não foram levadas em conta na ocasião do assassinato de Sergio. Situações não muito distintas rodearam os assassinatos policiais de Santiago Yerle e Guillermo Machado.
Podíamos destinas páginas inteiras
referindo-nos a casos cotidianos de prepotência policial a que nossos
bairros enfrentam cotidianamente. Essa situação é conhecimento de todos,
sabem muito bem disso não só nós que vivenciamos, sabem muito bem todos
os políticos, todos os ministros, meios de comunicação, etc.
Agora a investida pela redução da
maioridade penal que repudiamos e a queima simbólica de um boneco. A
mensagem é clara, é política, é também uma linguagem. Estamos ante uma
política repressiva e seu braço executor contra infância e a juventude, a
ânsia por aprisionar os que são quase crianças. Esse é o fato que
simbolicamente repudiou e buscou pautar a Coluna. “Nossos guris não vão
para as prisões, o melhor de nosso povo não dará nenhum voto pela
redução da maioridade penal” manifestaram textualmente desde a tribuna
do PIT-CNT. O Cerro e la Teja tampouco darão voto algum à redução.
Mas que não se equivoquem os sindicatos
policiais, eles não são nossos companheiros, tampouco os consideramos
trabalhadores. Sua função, dado o posto que ocupam na estrutura do
sistema, é de repressão, de golpear e reprimir o povo sempre que o
exijam. Sua instituição está educada, disciplinada, infestada de valores
para garantir a tarefa de zelar pelos interesses dos ricos e poderosos,
dos donos deste sistema. A ordem que lhes interessa que seja zelada a
cassetadas e tiros é a de suas propriedades e de seu poder.
Esses bens e poder mais os mecanismos que
os sustentam. Estes que volta e meia são questionados por aqueles que
se cansam das injustiças e é quando vocês saem a intervir. Os temos
visto ao longo de toda história, aqui nestes bairros, espancando e
arrastando pelos cabelos, algemando, estrangulando e espancando as
pessoas no chão nos estádios de futebol, aos trabalhadores frigoríficos
constantemente. Para mencionarmos apenas alguns casos, o paralelo 38[1] e
mais recentemente o massacre do filtro[2]. Sem contar os espancamentos a
estudantes em inúmeras ocasiões, em alguns casos a estudantes, pais e
professores como fizeram no Liceo 70 mais recentemente. Pelo visto ali
também havia delinquentes que exigiam um banheiro para seus filhos. Mais
recentemente presenciamos a polícia tomando conta de todo o bairro em
uma patrulha que atropelou uma criança. Foram os vizinhos que tiveram de
socorrer a criança enquanto os policiais eram atendidos primeiramente
pelos médicos. O repúdio dos vizinhos se transformou nisso que agora
chamam perversamente de delinqüência: fecharam a ponte do Pantanoso
queimando pneus, marcharam à delegacia e fizeram diversas manifestações
em nosso bairro. Não senhores, vocês não são nossos companheiros, se
fizessem um consulta sindical que transcendesse os “dirigentes”
burocratas, vocês não estariam em nosso PIT-CNT. Chegará a hora em que
as coisas terão seu devido lugar.
Uma ideología do sistema para esta etapa é
elevar a primeiro plano, sobredimencionar, o tema da segurança. Os
meios de comunicação criam o ambiente para dar-lhe a dimensão que
necessitam, recheando com horror e sangue o revestem adequadamente para
que o medo se encarreguem do restante. Por que este tema esta pautado em
nosso país da mesma forma que nos demais? Que coincidência, não? O
chamado neo-liberalismo semeou o mundo de miséria, raiva, desesperança.
Organizou esta etapa para que cada vez uma minoría tenha mais e para que
a maioria tenha cada vez menos. Uma das respostas às rebeldias e
descontentos que surgem e seguirão surgindo é a montagem de dispositivos
ideológicos como o chamado: Segurança. Não falam de outra segurança que
a deles.
Para os de baixo se expressa no que temos
visto. O aumento da tecnificação da repressão, ao inundar as ruas de
policiais em nossos bairros, o endurecimento das penas para os jovens,
abrir prisões e abarrotá-las. Sabe-se muito bem e experiências nos
sobram em tal sentido, que não é por ai que se vai solucionar a
conjuntural problemática social que padecemos. Isso sem pautarmos o
problema de fundo que é o mais transcendente.
O que aquí se busca é calar as legítimas
denúncias, reclamações, reivindicações. Criar espantalhos em direção aos
descontentos e rebeldias. Judicializar e criminalizar o protesto. Ficou
muito claro que isso não passa para aqueles que assassinaram,
seqüestraram, torturaram e violaram e que seguem contando com impunidade
que quase todos cobrem e amparam. Que quando surge uma juíza como Motta
que busca unicamente investigar rapidamente a retiram de seu posto,
encaminhando-a aos últimos rincões. Isso sim, processos para aqueles que
protestam pela tamanha artimanha da corte. Impunidades e prisões de
luxo. Mas outras impunidades estão sendo somadas e não dizem outra coisa
se não como tudo isso funciona.
O Sr. Ministro do Interior, Bonomi
afirmou que somos delinqüentes. Velha novidade para nós! Assim o sistema
e seus personagens catalogaram a todos os lutadores sociais através dos
tempos. Classificaram assim, recentemente, a Jose Gervasio Artigas que
também era um bandido; classificaram também estes Mártires de Chicago
que nestes dias recordamos que eram delinqüentes e outras coisas. Também
lhe recordamos que coisas parecidas disseram a Raúl Sendic e Pocho
Mechoso, lutadores que são uma referência e exemplo para todos os que
lutam. E poderíamos seguir. Sim, somos destes delinqüentes, claro que
sim, e inclusive conseqüentes. Seremos destes delinqüentes enquanto haja
opressão, injustiça, desigualdade. Prometemos nos portar bem quando
haja um ambiente de liberdade, solidariedade, novos valores e a
civilização existente esteja a serviço de todos os seres humanos.
Contra toda Impunidade, por Moradia, Saúde, Educação e Trabalho para nossos jovens.
Basta de repressão em nossos bairros.
No a redução da maioridade penal
Porque nosso 1° de maio é sempre um dia de luta, classista e combativo.
Columna Cerro-Teja
[1] Se refere as massivas greves dos
“gremios solidários” que pararam o Uruguai nos anos 1951 e 1952. Na
ocasião os bairros Cerro e La Teja foram sitiados pelas forças policiais
e militares em função de ser nestes bairros operários onde a luta se
desenvolvia com maior vigor e combatividade. Em função desse cerco, que
isolava estes bairros do restante de Montevidéu, a região passou a ser
chamada de “paralelo 38”, em alusão a linha divisória entre a Coreia do
Norte e do Sul durante a Guerra da Coreia (1950-1953). [Nota da
tradução.]
[2] O episódio conhecido como “masacre
del Hospital Filtro” ocorreu na noite de 24 de Agosto de 1994 nas
imediações do hospital Filtro em Montevidéu. Na ocasião milhares de
pessoas faziam uma vigília no hospital contra a extradição dos cidadãos
bascos Jesús Maria Goitia, Mikel Ibáñez Oteiza e Luiz Lizarride acusados
pelo governo espanhol de serem vinculados ao ETA e que se encontravam
internados no hospital em função de uma greve de fome. A brutal
repressão promovida pelo então governo de Luis Lacalle resultou em
centenas de feridos e dois mortos: Fernando Morrini e Roberto Facal.
Hoje, 20 anos passados o massacre segue impune. [Nota da tradução.]
Tradução: Federação Anarquista Gaúcha – FAG
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