sábado, 6 de agosto de 2011

Crítica ao "anarco" individualismo, vanguardismo e aparelhismo




1. ¹
O anarquismo em sua gênese, nas suas aspirações, em seus métodos de luta, não tem nenhum vínculo com qualquer sistema filosófico. O anarquismo nasceu da rebelião moral contra as injustiças sociais. Quando apareceram homens que se sentiram sufocados pelo ambiente social em que estavam forçados a viver, e cuja sensibilidade se viu ofendida pela dor dos demais como se ela fosse a sua própria, e quando estes homens se convenceram de que boa parte da dor humana não é conseqüência fatal de leis naturais ou sobrenaturais inexoráveis, mas deriva, por outro lado, de feitos sociais dependentes da vontade humana e elimináveis por obra do homem, abriu-se então a via que deveria conduzir ao anarquismo. 

"A menos que eu esteja gravemente errado – e eu espero estar – os objetivos sociais e revolucionários do anarquismo estão sofrendo um desgaste de longo alcance a um ponto em que a palavra anarquia tornar-se-á parte do vocabulário elegante burguês do próximo século – desobediente, rebelde, despreocupado, mas deliciosamente inofensivo."  ²

O anarquismo que está envolvido com a luta de classes, está radicalmente em desacordo com o anarquismo que é focado no estilo de vida, a invocação neo-situacionista ao êxtase e a soberania do ego pequeno burguês que cada vez contrai-se mais. Os dois divergem completamente em seus princípios de definição – de um lado, o socialismo libertário, do outro o individualismo burguês e as "liberdades" estéticas infinitas, das quais são belíssimas mas não mais que belas.
Um novo "anarquismo" surge expressivamente no fim do século XX, este anarquismo focado no individualismo e que propõe apenas um estilo de vida "alternativo" se isolando da massa para gozar de uma liberdade individual egoísta, muitas vezes garantida por uma situação financeira favorável. Esse "anarquismo" a que escrevo, renunciou ao projeto socialista. Baseados na crítica anarquista ao Estado, possuem pouca crítica ao capitalismo, e nenhuma atuação no sentido de transformar socialmente a realidade em que vivemos. Colocando-se na condição de simples observadores críticos da sociedade, constroem um anarquismo a partir de referências e pensadores secundários, simplesmente em torno da crítica. Não possuem qualquer projeto de sociedade e muito menos uma atuação coerente que aponte para esta nova sociedade. Poderíamos nos perguntar: o que então nos resta do individualismo anarquista? A negação da luta de classes, a negação do princípio de uma organização anarquista, cuja finalidade seja a sociedade livre de trabalhadores iguais: e mais ainda, a charlatanice vazia, estimulando os trabalhadores infelizes com sua existência, a tomar parte recorrendo a soluções pessoais, supostamente abertas a eles enquanto indivíduos libertados.
Não há como se pensar em um anarquismo puramente individual, como uma forma de se colocar no mundo, de ter um estilo de vida diferente. Para os individualistas, na grande maioria dos casos, ser anarquista significa ser artista, boêmio, defender a liberdade sexual de ter relacionamentos abertos ou com mais de um(a) companheiro(a), usar roupas diferentes, ter um corte de cabelo radical, ter comportamentos extravagantes, comer comidas diferentes, definir-se pessoalmente, realizar-se pessoalmente, ser contra a revolução(?!), ser contra o socialismo(?!), possuir um discurso sem pé nem cabeça – gozando da liberdade de estética – enfim, tornar-se apolítico. Influências neste sentido são funestas ao anarquismo e acabam afastando potenciais militantes sérios e comprometidos das lutas.

2.
O anarquismo é uma ideologia; o que é: um conjunto de idéias e práticas que caminham em concordância. Baseia-se na crítica ao sistema em que vivemos, e na proposta de um novo sistema, libertário e igualitário, para substituir este. Portanto, ao contrário do que muitos dos que se dizem anarquistas afirmam, é preciso disciplina, ética e responsabilidade militante no processo de construção de nossa ideologia. Para teorizar com eficácia é imprescindível atuar, e vice-e-versa.

Pelo retorno do anarquismo aos movimentos operários expressivos!

O anarquismo que está fora dos movimentos sociais, fora das lutas proletárias e afastado do povo, muitas vezes por querer o ideologizar, se esquece de que o processo de revolução social à qual estamos a serviço jamais será feita "para" ou "pelo" povo, jamais será protagonizada por uma classe elitista de intelectuais com pontos de vista críticos, mas meramente reflexivos. O anarquismo só terá êxito no seio de onde nasceu, na luta de classes, na classe trabalhadora. O anarquismo a qual reivindico não se baseia na teoria evolucionista de que o "socialismo é inevitável e a História marcha a passos lentos à ele". Acreditamos que tal socialismo só será atingido a partir do envolvimento protagonista de todas as classes exploradas de nossa sociedade.
Não queremos ‘esperar que as massas se tornem anarquistas’ para fazer a revolução; tanto mais de que estamos convencidos de que elas nunca se o tornarão se inicialmente não derrubarmos, pela violência, as instituições que as mantêm em escravidão. Como precisamos do concurso das massas para constituir uma força material suficiente, e para alcançar o nosso objetivo específico que é a mudança radical do organismo social graças à ação direta das massas, devemos nos aproximar delas, aceitá-las como elas são e, como parte das massas, fazê-las ir o mais longe possível. Isso, se quisermos, evidentemente, trabalhar de fato para realizar, na prática, nossos ideais, e não nos contentar em pregar no deserto, para a simples satisfação de nosso orgulho intelectual.

"Não queremos emancipar o povo, queremos que o povo se emancipe!"  ³

3.
"Vós todos que possuís conhecimentos, talentos, se tendes coração, vinde, pois, vós e vossos companheiros, colocá-los a serviço daqueles que mais precisam. E sabei que se vierdes, não como senhores, mas como camaradas de luta; não para governar, mas para inspirar-vos em um novo meio; menos para ensinar do que para conceber as aspirações das massas, adivinhá-las e formulá-las, e depois trabalhar, sem descanso, continuamente, [...] para fazê-los entrar na vida – sabei que então, mas só então, vivereis uma vida completa." 4


¹  Este texto é uma adaptação / compilação de trechos do livro "Anarquismo Social e Organização" da Federação Anarquista do Rio de Janeiro
²  Murray Bookchin em Anarquismo Social ou Anarquismo de Estilo de Vida
3  Errico Malatesta em A Organização Das Massas Operárias Contra o Governo e os Patrões
4  Piotr Kropotkin. "Aos Jovens". em: Palavras de um Revoltado.

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